quarta-feira, 26 de setembro de 2007



E se sou... Sou o que?

Sou vida que não quero ter

Lascívia falsa do meu corpo doente

Que não mais pretende ser coisa nenhuma

Cercado de pessoas, a boca cala

Nu, não preciso de fala

E assim vou marchando

Vestida ela me olha e me pergunta quem sou

Nua ela me ver. Ver tudo.

Com meu olhar de maníaco

E os dedos entre tuas pernas

Mostro minha alma

Salivo querendo sentir o gosto doce dos seus baixos lábios

E desço

Seus peitos caem em minhas mãos

Meu lar é entre suas pernas

E lá sou quem sempre quis ser

Minha íris é da cor do teu desejo

Com ele eu cresço

E me desfaleço em gozo

Inundo teu corpo com o sêmen de minha alma

Rasgo tuas costas para comer tua carne

O gosto amargo de sangue vem a minha boca

E gozo novamente

Estás morta em meus braços como em minhas visões

És a realização de um sonho insano.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007


E como um cão vira-lata vira a rua passar buscando
apenas lugares que pudessem lhe abrigar. Os jardins
passaram, o mar passou. Pessoas pesadas passaram
pisando o chão. O pobre cão com sua língua estirada
quase até o chão, não olhara nada. Noite passada tinha
sido atropelado por um carro que vinha apressado e
também não vira nada passar, nem o cão. O deixou
cego o olho esquerdo.

Já havia se passado metade de sua vida, e ele não
achara o que procurava. Agora só com o olho direito,
via apenas o lado direito da sua rua. Já havia
desistido de falar, sua alma estava doente demais pra
isso. Com passadas inseguras de um quase cego, o cão
mudo seguia trêmulo sua caminhada. Vez por outra
esbarrava em postes, árvores, pedras; isso lhe rendera
feridas por todo lado esquerdo do corpo.

O cão cansou! Com a boca amarga de quem já não
falava, deitou sobre o lado inteiro do corpo. Deixou as
feridas ao sabor do céu, o olho direito olhava o chão
no qual aquele cão passara toda existência, ao seu lado
esquerdo um girassol que ele nunca vira. E ali morrera
o cão, olhando para o chão da sua vida.




quinta-feira, 13 de setembro de 2007

No labirinto de mim mesmo*

A partir de agora serei vários e não serei nenhum

Serei eu e ninguém saberá

Terei o nome que quiserem me chamar

Poderei ser Lilith ou Ogum

Quem nunca sonhou assim?


Hoje posso ser isso, amanhã aquilo

Um dia ser um anjo amigo

No outro demônio carmim

Me acompanhem neste delírio aqueles que sonham

E eu poderei ser seu amado ou inimigo.


Ninguém saberá de mim

Sou feito de pedaços espalhados

De olhos espelhados

Alma escancarada

Unha encravada


Melodia vaga

Nota sem som

O grito mudo de voz desesperada

Dança manca

Corpo que canta


Pulso vibrante do sexo

Sexo, sexo [...]

Mão andante em corpo seco

Boca seca em sexo inundado

Corpo de porco em mente fecunda


Mão de cão

Pêlo que arranha

Espinho que não fura

O pulso vibrante do amor

Amor, amor [...]


* Frase de "A Falência do Prazer e do Amor" de Fernado Pessoa

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Memória

A chuva caia naquela cidade fria. Nós quatro ríamos, nessa época não tínhamos medos, eles só tinham se apresentado como bicho-papão e papa figo. A chuva só nos trazia a alegria. Antes dos primeiros pingos tocarem o chão seco já estávamos despidos. Corríamos as gargalhadas, nus e sem medo. Os pés descalços tocavam o barro cru e frio. Eram oito pés que queriam andar nas nuvens. Levantávamos a cabeça com a boca e os braços abertos, e, ao som da infância, bebíamos da água do céu.

As mãos se tocavam, estava feita a roda. E rodávamos. E cantávamos. E ríamos. Não tínhamos medo de espinhos ou sereno, os pés descalços nos protegia, o corpo nu nos imunizava.

Lembro de como a água descia forte pelo lado da nossa casa, dobrava a esquina contornando a calçada e corríamos atrás daquilo que nos parecia um rio. Navegamos ali; era o nosso rio e nos levaria onde quiséssemos. Não tínhamos destino, cada chuva era um canto. Medo! também não tínhamos. Afinal, estava chovendo; estávamos nus e com os pés descalços.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Meus pés

Olho meus pés cobertos por meias brancas
Sinto que não sinto mais o chão
Há quanto tempo não sinto o chão?
Tenho vontade de arrancar esta pele, ficar nú,
Correr pelo mundo e sentir o que não sinto mais
O resto perdeu o foco
Só vejo meus pés e sinto que não sinto o chão
Me pergunto o que há por baixo das meias,
Meus pés?
O que são meus pés se não meias cheias?
Um pé de pano? Ou um pano de pé?
Eles crescem diante de mim, não vejo mais nada
Vou arrancar a pele e sair correndo
Mas temo que o chão me derrube
Afinal há quanto tempo ele não sente meus pés?